Sapatos de salto alto


Nada conheço de ti, senão o caprichar dos teus passos, que me diz que é duro o teu caminho.

   Nem preciso de olhar para o relógio para saber que é meia-noite em ponto. É sempre assim, no exacto momento que os ponteiros se encostam um ao outro, uma porta de um qualquer prédio nesta rua se abre e por ela passa alguém que nunca vi. Depois oiço os seus passos percorrerem a calçada num compasso progressivo, em jeito de gente confiante até perdê-los do meu ouvido; não me mexo, não me levanto, apenas fecho os olhos e sinto, esses passos de mulher bonita! Sapatos de salto alto que vestem os pés de quem celebra e distribui amor, de quem ainda acredita, nunca lentos, nunca depressa demais, no ritmo exacto de quem, elegantemente alcança a vitória e faz sonhar.
 Fazemos uma troca sem que dê conta, confio-lhe o meu sorriso para que o seu rosto se encha de graciosidade e como escudo, amacie as suas noites, e ela, a dona daqueles passos deixa no ar o aroma intenso do último perfume que colocou no corpo, para que nele, esta minha mente peregrina, viaje ao encontro dos sonhos enclausurados e os liberte.

   Sem hora certa, apenas sei que é tarde e que o Sol não demora, quando esses mesmos passos regressam, desta vez descendentes, direitos ao meu ouvido, agora arrastados, vazios de confiança, carregando o peso de um dia perdido; já não me devolve o sorriso que lhe dei, nem sequer o traz mais, no ar empesta a fragrância do pecado, conduzida por esses passos que amo escutar, vindos de onde mora a culpa. Fecho de novo os meus sonhos a sete chaves e procuro a minha cama.   

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