Contradições



  Eu vivo e morro em ti, sigo numa estrada longa e iluminada, que me massacra numa ansiedade de prazer, direito ao teu abraço que me aperta o corpo e me folga a alma, pegas na minha mão e conduzes-me ao teu quarto sem que os pés toquem o chão, tiramos a roupa, despimos os preconceitos, vestimos fantasias. Depois, baixamos os estores, indelicadamente desconvidando o Sol e a sua presença, mas por vezes, num gesto de exibição, deixamo-lo espreitar por única fresta, até que se canse e por vergonha, ou talvez por obrigação se vá embora, mas o quarto continua sempre repleto de luz, daquela que só pode ser gerada pela fricção da loucura com o amor, luz perceptível apenas aos olhos de quem conhece o prazer na primeira pessoa, no presente do verbo amar, e o teu sorriso é sempre branco e o no teu olhar reflecte eternamente a esperança, porque se a esperança tem cor, foram os teus olhos que lha deram. Deixo então de ser responsável pelos meus actos e o desejo segura as rédeas, acaricio-te com petulância, castigo-te com ternura e repito, invertendo e trocando tudo, de tal forma que se tentasse explicar, as palavras se tornariam numa amálgama de contradições e ninguém entenderia absolutamente nada. Depois, transformo-me e volto ao tempo em que era criança, então sorrimos, damos gargalhadas, cruzamos olhares envergonhados e vou crescendo de novo, lentamente a passo de cada história que conto. Olho-te e então vejo-te menina pequena, de cabeça e mãos enfiadas no velho baú de memórias, pegando em livros, um por um, que são histórias tão próprias e lançando no ar sem ver, para que eu as agarre. Não hesito, liberto os meus sentidos e envolvo-me, que de outra forma não o sei fazer.

  De volta à Terra, no regresso, a estrada agora é escura, transporto a calma em vez da ansiedade, mas com ela trago a sensação que deixei algo para trás, que parte de mim ficará de novo à espera.

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