Esperança

Foi nesse instante que percebi que a vida é um truque de ilusão
Quando aquele rapaz de sardas no rosto e remoinhos no cabelo
Que fazia qualquer um, só de olhar, tentar adivinhar-lhe o génio,
Me estendeu a mão vazia para me dar, nada!
Nada que alguém consiga ver, talvez porque as formas nos cegam
E nos distraem em jogos de cor, desejos de sabor,
E uma ambição desmedida de querer ter e acreditar,
Apenas no que se possa ver ou tocar.
Como era grande a alma daquela criança e,
Nem os sapatos rotos, nem as calças que um dia já tiveram cor,
Tinham capacidade de imiscuir-se numa grandeza de espírito assim,
E o sorriso… O sorriso era de fazer inveja a qualquer menino rico,
Que cresce enganado, pensando que tem tudo na vida.
Aceitei da sua mão, fechei bem a minha,
Agradeci num gesto mudo, tão claro,
Mais convincente do que as palavras e segui o meu caminho.
Andei alguns metros e antes de dobrar a esquina, naquele exacto instante,
Em que a minha curiosidade sabia que era a última hipótese de se saciar,
Olhei para trás, mas em vão, porque o menino esfumara-se,
Como num número de magia, com a arte tão própria de quem é puro, e livre.
Procurei-o incansavelmente nos dias seguintes,
Apenas para lhe poder retribuir o presente de alguma forma
Mesmo sem saber o que significava, e foi numa dessas caminhadas,
Em que as pernas doridas me elevaram a mente,
Até onde a luz consegue entrar, e tudo ficou mais claro.
O menino havia-me colocado na mão, ouro, reluzente sim, mas não daquele
Que podemos pôr em qualquer balança de precisão e dizer um preço.
Este ouro que agora guardo no bolso de dentro, do meu casaco,
Exactamente entre a aura e o coração,
Vale mais que todo o dinheiro do Mundo,
E tem o dom de enfeitar até a alma mais pobre
Com uma pequena particularidade, quanto mais o partilhar,
Mais ele, e eu, crescemos, tornando assim firme e forte,
A ponte que nos levará em direcção ao Mundo novo,
Onde não há crianças pobres nem ricas e onde todos, mas mesmo todos,
Têm o sorriso igual ao do menino que me estendeu a mão.
Agora entendi que me disse sem abrir a boca,
Que aquela mão, vazia para os cegos de alma, continha esperança,
Aquela mesma esperança que segura a mão do poeta e o faz escrever,
Enquanto acredita que um dia, Tudo será melhor.
Se eu lhe quiser retribuir o presente, não preciso encontrá-lo de novo,
Basta que dê de mim ao Mundo, às pessoas que precisam,
E às que não precisam, distribuir palavras de alento,
Abraços, e muitos sorrisos, substituir a indiferença pelo respeito,
Aliviando então, um pouco do esforço daquele rapaz,
Que vive todos os dias para cá e para lá,
Numa correria desenfreada,
Atravessando aquela ponte que une dois Mundos,
Tão diferentes mas não tão distantes assim,
Trazendo Esperança e levando Fé,
Um que o obriga a usar sapatos tão esfomeados quanto o seu estômago
O Outro onde chega e se alimenta de Amor, e as asas que tem
Não o fazem ter necessidade de tocar os pés no chão,
Nem sequer de usar sapatos.



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