Teu cais (palavras para uma imagem)

imagem retirada no olhares.aeiou.pt autor- Jerónimo Afonso

Vi-te afundar diante de mim,
Tão lentamente que o tempo se desnorteia
E os segundos se fazem horas;
Os dias se metamorfoseiam em extensos retalhos,
Manuscritos no diário de uma vida que arde
Como cigarros acesos, esquecidos num cinzeiro.
E tu submerges, como num ritual triste
De uma dança preguiçosa,
Na angústia resignada de quem aceita sem lutar,
De quem abraça o fim de olhos serenamente fechados,
Enquanto os meus, abertos, vagueiam neste mar diante, de espelhos
Que me impossibilitam distinguir onde inicia o teu ser e expira o meu.
Seremos um só, neste palco intimista de vida que resta
Em que tu representas e eu assisto,
Rindo quando toda a gente chora
E gargalhando alto para que se abafem
As vaias impertinentes de quem à toa, cobra sem perdão,
E se errares, aplaudirei de pé a coragem,
E gritarei repetidamente que só erra quem arrisca
Para que o amor se decifre de uma vez por todas
E o Mundo entenda a sua força,
Tão manifesta agora, na amarra firme que colocaste
Neste cais inseguro e à deriva que sou,
Que não promete que te salve,
Mas garante, acaso te afundares,
Sem hesitar, imergirá contigo.

                                            escrito para: Fábrica de Histórias

Um comentário:

  1. Estamos na deriva no oceano que se chama Vida. Procura-se um cais para aportar, mas quando não achamos, ou continuamos navegando...em alguns momentos, podemos desejar vir a pique, para recomeçar em um outro navio, de outra forma...

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