Pai:
Tenho 35 anos, como sabes. A idade que tinhas quando saíste de casa, eu tinha apenas 4, não entendia muito de relações e sentimentos, nem nunca ninguém perdeu cinco minutos do seu tempo a tentar-me explicar o motivo da tua partida. A tua ausência foi mais uma das inúmeras coisas que tive de aprender sozinho, percebi-a a cada entardecer que não chegaste, a cada brincadeira que nos pertencia e não se fez. Não questionei uma única vez, não pedi justificações a ninguém, limitei-me a crescer como fazem as pessoas pequenas que chamam de crianças, e a aguentar firme as cruéis investidas dos amiguinhos da rua que eram exímios em descobrir e espicaçar exaustivamente as feridas, uns dos outros. Tudo isso me tornou forte. Na escola fiz sempre o trabalho ou desenho do dia do Pai, juntamente com os outros colegas e que entregava à Mãe em troca de um abraço repleto de um esforço desmedido que lutava entre o orgulho e a tristeza, mas que para mim tinha o sabor glorioso de uma medalha; era intensa a minha dedicação e nobre a cumplicidade que partilhava com a professora. Procurei exemplos em toda a parte, por vezes em pessoas erradas e tantas, mas tantas vezes fui a «queda na máscara», o ignóbil modelo de mim mesmo.
Quantas vezes nos vimos? Tão poucas Pai, quase sempre naquele estúpido almoço, uns dias antes do Natal, onde num restaurante qualquer, dois estranhos se sentavam frente a frente e a conversa não era mais do que meia dúzia de perguntas sobre a escola e outros tantos acenos de cabeça como resposta. Era gigante a cortina que nos separava e pequena a nossa capacidade de a transpor.
Mas hoje estou feliz, a minha alma transborda e o sorriso por não caber nos lábios, espalhou-se completo pelo rosto, irradiando todas as memórias atormentadoras. Mais uma vez me deste o prazer da tua companhia num almoço, como sempre a conversa não fluiu, mas tudo ficou mais claro quando, com uma mão seguraste a minha e com a outra me afagaste o cabelo como se fosse de novo criança. O teu olhar esclareceu num segundo, o peso das dúvidas de uma vida. Hoje abraçámo-nos pela primeira vez, foi tão intenso o que senti, sei que o passado é inalterável, mas ambos percebemos naquele gesto que o futuro somos nós que o fazemos.
Amo-te Pai e desejo tanto conhecer-te…
escrito para: Fábrica de Histórias
Sabes que a minha vocação não é escrever, mas, valorizo muito quem o faz,ainda mais tu que ÉS O MEU ESCRITOR, posso não saber transmitir o que sinto por palavras, mas,mesmo assim,quero que saibas,que acabei de ficar com o meu coração a bater a mil à hora e com as lágrimas no rosto,tudo porque sabes envolver o leitor com a tua escrita magnifica.
ResponderExcluirTens uma extensa vocação, mas um dos teus dons é sem dúvida a escrita.
Beijão doce.
Primeiro, doeu, mas no fim o meu sorriso rasgou-se tal como o teu. Sabes?- Nunca é tarde :)
ResponderExcluirTenho impressão de que muitos filhos poderiam escrever uma carta assim aos seus pais, pai ou mãe, mas nenhum o faria como tu, seguramente.
Parabéns, mais uma vez :)
sabes,aquilo q eu penso ,decerto q nada intessa a quase nhnguem ,mas esta tua entrega transformada em carta , devias entrega la nas maos d teu pai! e sem receios dizer lhe q sempre o amas te!!! nunca e tarde!!!
ResponderExcluirProfundo, comovente, toca-nos a alma! Sem mais palavras!
ResponderExcluirPoucas vezes me emocionei com um texto como com este. Transborda dele um leque tão vasto de emoções, que nos torna mais pessoas!
ResponderExcluirPela milionésima vez parabéns. E obrigada por me manteres presa a este teu cantinho em que as máscaras caíram... :)
Obrigado Dina! Para quem diz que não tem vocação para escrever, consegues transmitir em pleno as tuas ideias. Não será isso saber escrever?!!! Ainda te vou ver escrever um texto para a Fábrica!
ResponderExcluirNatacha, que bom conseguir levar as pessoas da dor ao sorriso, tal e qual por essa ordem! Nunca é tarde, para nada! Obrigado pelo apoio.
ResponderExcluirAnónimo, de certo que aquilo que pensas interessará a alguém, no mínimo a ti mesmo, que é o mais importante. Não te preocupes, a minha carta foi só um desafio para a Fábrica de Histórias . ; )
ResponderExcluirObrigado Ónix! Que gratificante é conseguir tocar a alma do próximo!
ResponderExcluirMoon Dreamer : que bom saber-te emocionada com coisas que escrevo. Considero as emoções o combustível da vida, a prova declarada de que estamos vivos.
ResponderExcluirPela milionésima vez, obrigado! :) Nunca é demais agradecer, assim como receber os parabéns. Eu é que agradeço, do fundo, pela tua fidelidade a este meu cantinho.
É uma fidelidade fácil! :) É bom ler o que por aqui encontro e eu desde sempre que adoro ler! :)
ResponderExcluirBela lição de vida.. não é pela ausência de um pai que um filho se perde por caminhos tumultuosos..
ResponderExcluirHá sempre tempo para recuperar o que ficou para trás.. porque vale sempre a pena.. mesmo que nada seja comparável ao que se poderia ter vivido sê-lo-á, de outra forma, e imensamente grandiosa..
Linda a tua história. Parabéns!
Um beijinho :)
Cláudio, conseguiste tocar o coração com esta carta maravilhosa! Pena que a verdade dificilmente é assim,não é mesmo?
ResponderExcluirParabéns pela escrita. Já levei teu link pra "casa".
Um abraço
Moon Dreamer: assim é na vida! Ficamos onde nos sentimos bem, ou pelo menos devia ser assim... Obrigado, a sério.
ResponderExcluirOlá Ametista!Tento sempre deixar uma mensagem naquilo que escrevo, às vezes mais directa, outras vezes nem tanto, mas tu entendes-me sempre.Obrigado por tudo!
ResponderExcluirOlá Ivete, tocar corações e agitar emoções é a maior magia de quem ama escrever. Talvez a verdade do meu texto não seja sempre essa, mas fica a mensagem ;)
ResponderExcluirDesculpa, mas já invadi a tua casa e parece que que é um espaço propício a que as pessoas se percam e sonhem muito e voltem sempre. Estou a ouvir «Pátria Minas».