É bom ter amigos assim




Hoje faço anos, dei um jeito na casa, pus a mesa com requinte


Acendi velas, espalhei flores e servi o melhor vinho em copos de cristal


Os convidados sentaram-se ocupando os lugares organizadamente


E eu, num dos topos da longa mesa, senti-me senhor e rei.


Ninguém faltou, vieram todos, os mesmos de sempre


E nem seria correcto chamá-los de convidados


Afinal e sem excepção, há muito que fazem parte desta casa

Com o olhar percorri um por um, detive-o em cada expressão que vi

Enquanto os pensamentos surgiam e se misturavam, sugeri um brinde

À minha esquerda, calmo, vazio e com o olhar distante

Sentava-se despercebido o Silêncio, amigo antigo mas incerto

Que quando preciso nunca está e aparece sempre que não faz falta

Que bem, trouxe a Solidão, fiel companheira, sempre impávida

Sempre nobre, tão fina, tão presente nestes últimos tempos

A seguir as duas irmãs, que nem parecem filhas do mesmo pai

Uma boa, a outra é má, as Memórias, como envelheceram!

Perderam o optimismo, que parecia ser a sua única concordância.

A saudade, espalhafatosa e sedenta que onde está ou quando chega

Faz questão de se mostrar para que toda a gente a sinta

Olhei o Medo inseguro, e querendo quebrar o seu frio perguntei-lhe,

A Coragem? Faz tempo que não sei nada a seu respeito

Disse-me que tinha morrido, velha e cansada, eu sabia-o bem,

Melhor que ninguém, não tivesse sido nos meus sonhos que ela partiu

Na outra cabeceira e bem de frente para mim estava o Nada,

Observador como sempre, amigo do peito, um tanto controverso

Afinal ultimamente, tem sido tudo para mim, do seu lado direito

A Esperança que é apenas uma sombra do que um dia foi

Macambúzia, apática, nunca abriu a boca nem sorriu uma só vez,

Por tudo o que foi, por tudo o que venceu um dia, nada lhe perguntei.

A Angustia e a Melancolia ladeavam o Sonho, o tal que é viúvo da coragem

Oprimiam-no com crueldade, com uma astúcia tão própria, doeu de ver.

Levantei o copo, primeiro sorri, depois os meus olhos vidraram

E como duas nuvens cinzentas que chocam uma na outra

Choveram lágrimas salgadas, em emoções incontroladas

Tornando este vinho o mais amargo que bebi.


2 comentários:

  1. Deixa-me cá experimentar... eu-consigo-eu-consigo-eu-consigo!!
    Este é dos textos mais espectaculares que li teus, metáforas perfeitas. ironias divinais.
    Bjs (agora estou a cruzar os dedos,e sim, está a dificultar-me a escrita, para dar sorte disto ficar aqui!!

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  2. Só agora dei conta deste teu comentário. Achas que és capaz de me desculpar? E viste?, afinal foi fácil. Um beijinho para ti.

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